Os Bonates


Por José Bonates Maciel

Penso que, excetuados aqueles de quem descendo pelo lado materno, cujo sangue veio ter ao Brasil possivelmente com um artesão ou mercador filho da península itálica, por aqui chegado aí pelo terceiro século de colonização, não se conhecem outros Bonates por todo território nacional.

Admito que a dificuldade, natural e tão comum ao indígena, de assimilar nomes estrangeiros, levou-o a desfigurar o vocábulo original, tornando cada vez mais árduo encontrar o personativo de onde veio a corruptela – Bonates.

Se os estudiosos e eruditos, na sua unanimidade, não tem tido como contornar o silêncio que esconde as origens de tanta linhagem, em vários períodos de nossa história, já se vê que, escrevendo uma crônica para jornal, não vou descobrir o meu longínquo antepassado, mas simplesmente repetir a narrativa singela que ouvi, muitas vezes, quando em intimas reuniões com os do meu sangue.

Contam estes que, ao apagar das luzes do século XVIII, ceio a ter AP Jaguaribe, das bandas do Rio Grande do Norte, um tal de Bonatti, emigrante europeu, italiano de nascimento, trazido a tão distantes paragens certamente pelo mesmo sonho de riqueza que deslocou, durante muito tempo, da Europa meridional, tantos outros audaciosos flibusteiros e andarilhos.

O nome de Batismo desse atiradiço perdeu-se no fumo do tempo, mas sua raça multiplicou-se, desenvolveu-se e, salvo no adotar da corruptela com o vulgo afeiou-lhe o nome, honrou-o, superando vicissitudes sem conta, por quase dois séculos de lutas, sonhos e esperanças.

Naqueles sertões desertos e silenciosos, o forasteiro introvertido sentiu com certeza recordações da primavera de sua pátria e, estimulado pelo sentimentalismo ancestral, começou um romance com a mestiça que, sem tardar, tomou por esposa.

Os anos correram escondendo em sua esteira vertiginosa todo um capítulo, o último da vida do velho Bonatti. E, quando o século XIX ia vencer o sexto lustro, surge em Baturité um Bonates, trazendo no coração anseios de vida mais calma e, na memória, vivas saudades de outros latagões de olhos azuis como ele, desgarrados pelo flagelo, pela aventura, pela seca.

José Bonates da Cunha era recém chegado. Homem humilde, conversador, pilhérico, tinha a tez cobreada e a mandíbula vigorosa da sua raça. Alfaiate de profissão, nas horas vagas exercitava as suas qualidades de pescador emérito.

Na casa que ainda hoje, conserva a mesma arquitetura, ao lado da Prefeitura Municipal de Baturité, criou, esse meu pacífico avô materno, treze filhos hoje desaparecidos.

O último dessa numerosa prole, cujos varões eram em número sete, foi meu tio Antônio Bonates da Cunha, nonagenário falecido, há pouco, no Rio de Janeiro, pai do General Abílio Pontes Cunha, que, pelo casamento com uma jovem que conheceu em São Paulo, ligou duas antigas famílias baturiteenses- Bonates e Ramos

A geração que sucede não dá sinal de impedir o iminente desaparecimento do belo nome d família, antes apressa essa injustificável abdicação, deixando de usá-lo, como se faz desde há muito, entre bem próximos descendentes do velho alfaiate magricela, alourado, de quem se recordam famosas pescarias.

Bonatti, o vocábulo harmônico, na sua romântica beleza lembra ainda a aventura remota do latino ousado, atravessando o Atlântico, naquelas eras em que o mar constituía um caminho temeroso, para caldear o sangue ariano.

Crônica publicada no livro Minhas Idéias de José Bonates Maciel



            Casa de José Bonates da Cunha